
O livro de Lamentações contém 5 capítulos e é distinguido por sua estrutura que obedece os mais rigorosos critérios da poesia hebraica. Os capítulos 1, 2 e 4 iniciam com a palavra típica para um lamento ‘êkâ (como). Esta palavra era utilizada em Israel quando se chorava pela morte de uma pessoa querida, daí a característica de lamentos e o próprio nome do livro.
Os capítulos 1, 2 e 4 começam com a idéia de lamento. O primeiro relata em termos gerais o problema. Já o segundo, entra em detalhes do processo. O capítulo 4 fala sobre as dificuldades do cerco babilônico a cidade de Jerusalem. Os três capítulos possuem 22 versos, sendo que, no texto original, os capítulos 1 e 2 possuem três linhas em cada verso, enquanto, o quarto só possui duas linhas. Já o capítulo 3, que não começa evocando uma lamentação como os outros capítulos, possui 66 versos. A soma dos versos dos versos dos capítulos 1, 2 e 4. Seria como um aprofundamento no tema. O capítulo 5, é na verdade uma oração. Não começa com a palavra ‘êkâ, possui também 22 versos, indica que os sofrimentos de Jerusalém, levaram o povo a buscar os braços de misericórdia divina, aguardando a resposta no tempo oportuno.
Porque um relato poético de acontecimentos já registrados em textos históricos? Os relatos de 2 reis 25 e Jeremias 52, nos dão os fatos relatados em um contexto históricos. Os cinco poemas de Lamentações utilizam-se da linguagem poética para relatar o fator emocional do tema.
O capítulo 3, que vamos analisar mais profundamente, coloca em contraste duas realidades: A Calamidade e a Esperança. Nos primeiros versos, o escritor se comunica com Deus na terceira pessoa do singular, é como se existisse uma separação. O escritor relata sua condição pessoal, as calamidades que afligiram o povo, também podem ser sentidas na vida do profeta. Ele sofre com o fato de, aparentemente, Deus ignorar a sua oração (v. 8).
A partir do verso 19 encontramos uma mudança na postura do profeta. Podemos destacar uma palavra que se repete nos versos 19, 20 e 21. O verbo “Lembrar” aparece nos três versos e é utilizando este verbo que vamos identificar a mudança na postura do profeta. Nos verso 19 ele pede para que Deus se lembre de sua “amargura”. No verso 20, ele diz que quando ele se lembra desta “amargura”, ele fica abatido. Agora a pergunta é: porque Deus pode lembrar e ele não?
Deus pode “lembrar da amargura” de Seu povo, porque Ele pode mudar a situação. O profeta não poderia se lembrar, já que, a idéia de se “lembrar” envolvia solucionar, e pouco faria tentando resolver. Deus não é afetado quando “se lembra” de nossas ansiedades. Ele tem uma visão diferente da nossa. Enquanto, nós vivemos entre um passado e um presente que passa de forma rápida, junto com um futuro que é para nós uma grande interrogação, Ele vive em um eterno presente que faz com que Ele tenha uma visão mais ampla de nossa vida. Um pensamento hebraico sobre o tempo faz uma alusão a um homem remando em uma canoa. Ele está olhando para trás, as ondas que a canoa deixa, fazem parte de sua visão da vida. Está de costas para o futuro.
Já no verso 21, encontramos o profeta mudando o foco de sua atenção. “mas quero lembrar do que pode me dar esperança”. A palavra esperança indica que um remédio pode ser usado, para que, em um curto período de tempo, o homem consiga se livrar do abatimento. Tenho que me lembrar do que pode me dar esperança, se me lembro das amarguras e ansiedades da vida, vou sempre me abater. Mais uma pergunta surge então: o que me pode dar esperança?
O verso 22 e 23 apresentam a idéia: A bondade do Senhor é a razão de não sermos consumidos, as suas misericórdias não tem fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade. A idéia da Hesed de Deus era bem difundida entre os judeus. Era como um estilo de vida que cada servo do Senhor deveria seguir. Ir além da sua obrigação. Fazer o máximo, além do esperado. Assim seria a explicação da palavra “bondade do Senhor” (hesed). Deus vai além do esperado. Ele surpreende.
Então a esperança que muda o coração do profeta, a esperança que cura as feridas do seu coração, tem como base o Senhor. Não é algo incerto. A palavra esperança hoje, tem uma conotação de algo que possivelmente poderá acontecer. Existe uma possibilidade. A esperança que tocou o coração do profeta vem de uma certeza: apesar da situação que chegamos, apesar do sofrimento que cai sobre nós, podemos confiar no Senhor. O fundamento de nossa fé tem duas grandes bases então: Deus e a sua atividade salvadora. Ele vai além de sua obrigação. Eu posso ter esperança, pois no meio da embaçada visão das calamidades, tenho a certeza que o Senhor está atento a tudo isto.
A partir do verso 40, depois de uma auto avaliação (Examinemos os nossos caminhos), o profeta para um momento de confissão. Fala com Deus com uma nova postura, com mais familiaridade, utiliza a segunda pessoa do singular.
Bom é ter esperança e aguardar tranqüilo a salvação do Senhor (v. 26).